terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Mesopotâmias

Diferente do que ocorrer no Egito, em que pouco se alterara a formação populacional, ao longo da sua história,  o espaço formado pela Mesopotâmia, terras altas da Assíria e vastos espaços da Pérsia mostraram grande variação de populações e influências. Porém, houve uma heterogeneidade não tão acentuada que não permitisse a identificação de uma civilização.
Os tempos mais antigos trabalháveis por nós remontam aos V e IV milênios aC. Nestes, motivos retilíneos ou quebrados apontavam para uma concepção racionalizante. Esta, porém, logo foi substituída e elementos curvilíneos inundavam as pinturas cerâmicas. As divindades estavam basicamente relacionadas a deusas-mães. O todo indicava uma tendência emocionalista nas expressões. E foi esta maneira que, a partir do meado do IV milênio aC, manifestou-se fortemente na Suméria. Sua marca maior foram os olhos bem arregalados e expressivos marcados nas estatuetas denominadas “Orantes”.
Em fins do III milênio aC, uma onda de geometrização estava ceifando o antigo expressivismo. Era uma tendência racionalizante que chegava. Esta teve realce quando a invasão dos acádes dominou a região.
Com o domínio assírio, a partir de meado do II milênio aC, tal perspectiva se afirmou. As imagens eram dominadas por retilineizações frias, num padrão geometrizante. Os modos de expressão tornaram-se racionalistas. O maior símbolo destes são os animais androcéfalos, geralmente guardiões de portais, com suas asas retilíneas.

A ascensão babilônica ainda relacionava tal expressão dominante, quando, após o primeiro quarto do I milênio aC, os medo-persas impuseram-se. O momento artístico mudou com eles. Formas mais curvilineas ganharam destaque. O animais androcéfalos podem, mais uma vez, serem referenciais da nossa contemplação. Neste novo passo, apresentavam ass encurvadas. Mas que mero detalhe estilístico, eram a denúncia de tempos mais emocionais.

O Nilo leve

Do V milênio aC, o Egito legou as denominadas deusas líticas. Suas formas múltiplas evocam elementos de uma feminilidade que transita de manifestações basicamente emocionais àquelas, já no IV milênio aC, com uma geometrização com inspiração de cunho evidentemente racional.
Das suas edificações mais antigas, restaram as sepulcrais, erigidas com material rochoso. Afinal, para aquela civilização a morte era um passo para uma eternidade. E, nesta, os seus restos deveriam ser resguardados para eventual uso futuro. As mais antigas entidades sepulcrais maiores eram as mastabas. De forma paralelepipedal, mostraram evolução para a presença de câmara, na qual os visitantes poderiam abrigarem-se e apresentarem seus sacrifícios. Era a Sala de oferendas. Uma outra estava presente, nas quais representações escultóricas do morto e de divindades apareciam. Era a Sala do duplo. Um fosso relativamente profundo conduzia ao jazigo final, onde estava o sarcófago.
O crescimento desta estrutura conduziu a uma espécie de “somatório de mastabas”, definindo a primeira pirâmide. Sua forma é tal que ficou conhecida como “pirâmide escalariforme”. Relacionada ao faraó Djoser, está datada de 2630 a 2610 aC.
O próximo passo foi a pirâmide de Snefru, datada de 2613 a 2589 aC. Já bem diferente, apresenta lados lisos, com somente uma quebra de inclinação, daí ser chamada “pirâmide quebrada”.
O momento apical do tipo surgiu com as pirâmides de Gisé. Suas principais foram as de Kuh-Fuh, de Men-Ká-Rá e de Kaef-Rá, elevadas de 2550 a 2510 aC.
A presença desta evolução sugere mais que mero domínio de formas. É a verdadeira configuração de uma concepção racionalizada da vida.
As esculturas seguiram a mesma proposta. As representações dos faraós são muito rígidas formais, distantes. A linearidade de traços é marcante. O mesmo se segue para os demais retratados. Um exemplo conhecido é o do “Escriba sentado”, de 2620 – 2500 aC. Sua posição é formal, assim como a expressão da obra como um todo. Representações de casais marcam pela proporção hierarquizada. Mostram a importância social de cada um das famílias. As feições são distantes e o naturalismo cede completamente a uma visão idealizada, Não estando relacionada a dificuldades técnicas para se conseguir outro resultado, as esculturas fornecem um excelente parâmetro para a dominação de uma concepção racionalista.
As representações bidimensionais, fossem e pinturas ou relevos baixos, eram dominadas pela Lei da Frontalidade. Transgredi-la era praticamente um atentado contra a religião. Suas expressões hieráticas eram completamente limadas de qualquer manifestação de caráter emocional.
Esta perspectiva somente seria interrompida com a ascensão do faraó Ikhn-Aton, o qual implantou uma verdadeira revolução religiosa, em meado do século XIV aC. Esta espalhou-se pelos costumes de toda a vida egípcia. Neste momento, livre das amarras, a arte pode revelar o tanto de emoção que o momento comportou. As formas corpóreas se avolumaram, relevaram. Pescoços alongaram-se. Olhos cresceram. Até mesmo nas representações bidimensionais o impacto chegou. Rostos em posição frontal surgiram.

Porém, foi só uma primavera emocional. A morte do revolucionário faraó devolveu as amarras aos padrões racionalizados. Fora só uma visita do que o Egito podia ser.

Da pedra viestes

A evolução, transitando pelo gênero Australopithecus e chegando ao gênero Homo, manifesta em algumas espécies suas, teve, por acompanhamento, complexas modificações no lidar com o em-torno. Do uso casual à percepção do utilitário e o chegar à Arte foram passos, por certo, demorados.
A evolução do instrumental passou, primeiramente, pelo acaso. O tomar aleatório de um objeto próximo e a conquista, através dele, de um Objetivo, na deve ter ficado impressa facilmente nas mentes dos primeiros bem-sucedidos. Porém, hoje sabemos que a superfamília Hominoidea é uma via da Vida pródiga em aprender. Idem em transmitir conhecimento.
Não deve ter também custado muito para que um ancestral nosso percebesse que havia um vínculo estreito entre a facilidade de se obter um dado objetivo como função de se ter um certo objeto às mãos. Em outras palavras, se quer algo, precisa ter um outro algo em mãos. Surgia, assim, a noção de instrumento.
Este ponto foi inclusive referencial para a definição do nosso gênero Homo. Já fomos definidos como “animais que usam instrumentos”. Descobrimos, então, que lontras e abutres, dentre outros, também usam. Mudou-se a nossa definição para “animais que fabricam instrumentos”. Percebeu-se que corvos e chimpanzés, dentre outros, também fabricam. Sugeriu-se que nós, humanos, somos “animais que fabricam instrumentos com senso de futuro”. Só para reconhecermos que chimpanzés, dentre outros, também assim agem. Acabou-se enveredando, até, pela sugestão de que o ser humano é um animal que produz Arte. Mais um vez, não nos vimo sozinhos nesta.
Escreveu-se muito sobre a “Idade da Pedra”. Esqueceu-se em igual tanto que esta também foi a “Idade da Madeira” e “Idade da Palha”, que correram juntas e paralelas.
Seja como for, aparentemente, a jornada começou com o gênero Australopithecus. Chegou a gênero Homo. Foi uma trajetória da qual selecionamos os Homo habilis de 2,1 a 1,5 milhão de anos atrás, Homo ergaster de 1,8 a 1,3 milhão de anos atrás, Homo erectus, de 1,8 milhão de anos atrás a 30 mil anos atrás, o Homo antecessor, de 850 a 750 mil anos atrás, o Homo heidelbergensis, de 600 mil a 20 mil anos trás, o Homo neanderthalensis, de 230 mil a 28 mil anos atrás e o Homo sapiens, de 195 mil anos atrás até o presente.
Apesar de estar relativamente claro que representantes do gênero Australopithecus chegaram a usar instrumentos, não temos um percepção mais definitiva de que chegaram a manufaturá-los. Os períodos líticos mais formalmente começaram com a chegada do gênero Homo, há 2,1 milhões de anos. Adentrara-se o denominado Paleolítico, dito informalmente Idade da Pedra Lascada ou Primeira Idade da Pedra, uma divisão da Era Lítica. Foi marcado por um trato ainda muito rudimentar do material, obtinha a parte mais importante dos seus instrumentos a partir de lascas de pedra. Abandonava-se, portanto, o antigo uso in natura. Era o denominado Paleolítico Inferior, Protolítico ou Arqueolítico.
O surgimento do Homo sapiens trouxe consigo modificações no instrumental, fruto de uma evolução técnica apreciável, no domínio do retoque. Surgia uma compreensão da técnica de impactos apropriados em locais selecionados das pedras. Esta modificação evolutiva do instrumental foi suficiente para que o ser humano arcaico emergisse do Paleolítico Inferior, passando ao denominado Paleolítico Médio.
Por volta de 60.000 anos atrás, a observação do material lítico, em especial as armas, mostrava o quanto havia o ser humano evoluído. As formas de uma faca, de uma extremidade de lança ou de uma ponta de seta, mostravam tendência a um esmero bem direcionado, apesar de não existirem ainda superfícies lisas. Havia o ser humano desenvolvido a denominada Técnica de Retoques que possibilitava a confecção de lâminas líticas bem mais afiadas. Adentrara a Humanidade o denominado Paleolítico Superior, que algumas classificações antigas chamavam Leptolítico.
Entre 12.000 e 7.000 anos atrás, a Humanidade mostrava modificações tais na sua manufatura, que revelam estar esta adentrado um novo período. Os restos da antiga talha grosseira estavam sendo perdidos, sendo um dos aspectos diagnósticos da mudança a presença de instrumento cada vez mais elaborados, com superfícies lisas, polidas. Era o fim da antigamente conhecida Pedra Lascada e a chegada da informalmente denominada Pedra Polida, mais propriamente falando, o Neolítico. Entretanto, como isso não se fez de um só golpe, mas com gradações, pois a prática neolítica praticamente varria a paleolítica onde se instalava, como um fenômeno que viária a se estender por milênios. Evidenciava-se o instante transitório, que marcou o Mesolítico ou Epipaleolítico, não considerável uma unidade periódica à parte, mas uma transição, decerto rica, entre o Paleolítico e o Neolítico.
Entre 12.000 e 7.000 aC nos atrás o Neolítico disseminou-se pelo mundo, varrendo os traços paleolíticos.
Nas cavernas de Altamira, na Espanha, entre 16.500 e 14.500 anos atrás, e Lascaux, na França, entre 14.000 e 12.000 anos atrás, proliferou uma expressão chamada Pintura Parietal. É aceito que este modo de expressão tenha também surgido e proliferado em outros espaços. Porém, estas duas são as ocorrências mais marcantes que persistiram.
Sobre serem figuras mágicas, objetivando caça, em Lascaux, contaram-se, nas pinturas, 57,10 % de cavalos, 16,60 % de bovinos, 16,30 % de cervos, 6,00 % de caprinos, 1,00 % de felinos, 0,30 % de ursos, 0,16 % de rinocerontes e 0,16 % de renas. Os restos alimentares encontrados no sítio indicam 88,70 % de renas, 4,50 % de javalis, 4,50 % de cabritos, 2,40 % de lebres, 1,50 % de cervos e 0,80 % de cavalos.
Permanece, portanto, a questão sobre seu significado.
Uma primeira abordagem mais consistente, em relação à proposta de divisão entre manifestações racionais e emocionais pode ser encontrada nas manifestações escultóricas denominadas vênus esteatopígeas, vênus Paleolíticas ou simplesmente vênus. As mais antigas encontradas têm idades entre 32.000 a 31.000 anos e 29.000 a 25.000 anos.
As vênus que primam pela abundância de formas seriam manifestações emocionais, logo dionisiacas. As que exibem configurações mais longilíneas ou geometrizadas seriam racionais, daí apolíneas.

O megalitismo foi uma expressão de lidar humano com grandes blocos rochosos. Suas presenças parecem sinalizar para tentativas práticas de manipulação para controle do em-torno. Seriam marcas de uma expressão mais racionalista, daí, apolíneas.
Os megalitos poderiam ser simples, como os Men-hires, blocos solitários trabalhados, que chegaram a mais de 20 metros de altura, pesando quase 350 toneladas. Outros megalitos simples foram o Lic-Haven, baseado em um bloco vertical e um horizontal, e o Dol-Men, configurado como dois blocos verticais e um horizontal, formando um trilito.
Outras estruturas surgiram, com cobertura de blocos rochosos por areia e material sedimentar mais fino, formando um monte artificial denominado “tumulus”. Se nesta cobertura havia quantidade significativa de seixos e blocos, passa a ser chamado “cairn”.
Grandes unidades líticas, entendidas como de função defensiva foram a naveta, a nurhaga e a talaia.
Uma organização mais complexa de megalitos formou os “arranjos megalíticos”.
Destes, um primeiro que chamou a atenção foram os alinhamentos de Carnac, na França.
Porém, aquele exemplar que mais realça um sentido maior é o arranjo megalítico de Stonehenge. Sua presença é evidência forte de função bem objetiva, realçando uma característica apolínea.

Em nome de Deuses



A trilha seguida pelo conhecimento parece, ás vezes, estreitar-se. Isto é a antipodia do que deveria ser sua verdadeira realidade. Por vezes, na perspectiva de melhor desenvolvermo-nos, devemos ampliar o espectro. Passa isto até por uma verdadeira reconstrução do nosso Saber.
Não se trata de abandonar o já, até a tão duras penas, localizado e entendido. Mas, sim, reler. Afinal, a História, mais que um monte de datas e nomes exige interpretações. Pra tal, podemos ter que, não abrindo mão dos fenômenos, reformatarmos os nossos Olhares.
Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu, em 1844, na vila de Röcken, dentro dos domínios do município da cidade de Lützen, na região de Sachsen-Anhalt, em Deutschland, nossa conhecida Alemanha.
Acabou lembrando como um pensador dedicado a “Assuntos malditos”. Incomodou por virar pelo avesso certas dimensões dadas às coisas até já muitos estabelecidas.
Em 1864, começou estudos em Teologia e Filologia clássica, na Universidade de Bonn.
Em 1865, abandonou o desenvolvimento da Teologia, enquanto curso. Porém, esta seguiria-o, enquanto sombra e facho de luz, por toda sua vida. Seus textos borbulhavam, com mais ou menos vigor, mas não deixavam de mostrar considerável marca desta.
Em 1869, assumiu a cadeira de Filologia Clássica na Universidade da Basiléia.
Entre 1870 e 1888, publicou 18 livros marcados por aquela que ficou lembrada como uma “Filosofia a marteladas”, tal foi sua força e a impressão que causava.
Dentre estes, em 1872, veio à luz o “Die Geburt der Tragödie aus dem Geiste der Musik”. Em nossa prosa, “O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música”.
Dois eixos centrais foram os deuses helênicos Diónisos e Apóllon.
Diónisos (Διόνυσος) era um divindade relacionada a ciclos vitais, festejos, vinho, esbanjamento, insânia, Teatro, ritos religiosos, multiplicidade. A intoxicação por embriaguez era entendida como o veículo que fundia o bebedor com a deidade. Era o Deus da mundanice, do viver as emoções com intensidade.
Apóllon (Απόλλων) era identificado o Sol e a luz da Verdade, a consciência de erros, um agente de purificação, símbolo da inspiração profética mais pura, de uma inspiração artística mais elevada. Era o verdadeiro Líder das Musas. Um Deus que oferecia proteção contra as forças malignas ou a cura das conseqüências destas. Era um Deus da Beleza, da Perfeição, da Harmonia, do Equilíbrio. Era o verdadeiro Deus da Razão.
De um lado, estava aquilo que Nietzsche agregou sob uma única categoria e chamou Dionisismo. Era o tenso, o desequilibrado, o arrebatador, o múltiplo, o inconstante, o sentimental, o emocional, o sensual, da abundância, esbanjamento e insaciedade, das esquisitices, do desequilíbrio, da dinâmica, da descentralização, do desconforto. O Eu é o centro para o qual converge toda a ação.
Do outro lado estava aquilo que o mesmo pensador percebeu como unificável em uma outra categoria, o Apolismo. Era o calmo, o equilibrado, o assentador, o uno, o racional, domínio da leveza, da limpeza, da iluminação, da sobriedade, da estabilidade, da centralização. Para o Eu nada converge, pois o centro para o qual converge toda a ação é um lá ideal.
Neste passo, Nietzsche enxergou um momento que chamou “pré-Socrático”, no qual o domínio do Dionisismo era absoluto. A ação se concentrava no “Eu”. Assim se orava, falava, cantava. A Arte habitava cada um. Podia-se dizer, sem estar em erro: “Eu sou a Arte”.
No momento outro, que Nietzsche chamou “Socrático’, houve um surrupio disto. O Apolismo impôs-se. Tornamo-nos espectadores, sentados em plateias reais ou metafóricas do existir. Outros oram, falam, cantam, respondem por nós. A arte “é lá”. Para Nietzsche, isto caracterizava a morte da verdadeira Tragédia helênica.
Porém, Nietzsche entendeu que “o deus Dionísio é demasiado poderoso: o mais inteligente adversário”. Ele sobreviveu mal oculto. Segundo este estudioso, “O coro é uma muralha viva contra a realidade assaltante, porque ele – o coro de sátiros – retrata a existência de maneira mais veraz, mais real, mais completa do que o homem civilizado, que comumente julga ser a única realidade”. A presença do coro roubava ao ladrão a vitória.
Quando o coro ora, responde, canta, fá-lo por cada um da plateia, por cada um de nós.

Fragmento do filme "Quando Nietzsche chorou"